A universidade que renasce dos destroços deixados pelo ‘Estado Islâmico’ no Iraque
G1 Globo: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2018/11/21/a-universidade-que-renasce-dos-destrocos-deixados-pelo-estado-islamico-no-iraque.ghtml - 22/11/2018
A Universidade de Mossul, no Iraque, está reconstruindo seu campus e sua comunidade acadêmica após sobreviver a um período de trevas.
O local foi ocupado, durante mais de dois anos, pelo grupo extremista autodenominado Estado Islâmico – e mantido sob um regime de perseguição e terror.
Após uma experiência tão traumática, e da destruição causada pela batalha para retomada da cidade, ainda há muito a ser feito.
“A biblioteca central ainda parece um pedaço de carvão”, diz Ashraf Riadh Al-Allaf, professor sênior do departamento de inglês da universidade.
Estudantes yazidis retornam
Segundo ele, o que chegou a ser um dia uma das maiores bibliotecas do Oriente Médio pegou fogo, e os principais prédios administrativos foram “completamente destruídos”.
Ainda há escombros a serem removidos, diz Al-Allaf, mas os alunos estão de volta – e os acadêmicos estão reconstruindo o relacionamento com a comunidade internacional.
Há um projeto em desenvolvimento com a Universidade de Lancaster, na Inglaterra, em que a instituição britânica compartilha conhecimento e tecnologia online com seus colegas iraquianos.
A Universidade de St. Andrews, na Escócia, realizou um “dia de doação de multas da biblioteca” nesta semana – o dinheiro das multas será doado à organização Book Aid International para enviar livros à Universidade de Mossul.
No início deste ano, mais de 3 mil livros foram despachados para Mossul, e os esforços para arrecadação de fundos vão financiar uma segunda remessa.
O projeto Mosul Book Bridge foi criado por acadêmicos para ajudar a reabastecer a biblioteca de Mossul, que já contou com um acervo de um milhão de livros.
“Demorou um pouco, mas a cultura da universidade está lentamente ressurgindo”, diz ele.
Sobretudo, ele avalia, é um sinal promissor ver grupos minoritários, como estudantes cristãos e yazidis, retornando à universidade.
“A simples presença deles é muito bem-vinda”, acrescenta.
Ter um grupo mais diversificado de alunos parece que estamos “voltando à vida normal”.
Regime de terror
Mas não é um simples final feliz. A universidade, a segunda maior do Iraque, com 30 mil estudantes, foi submetida a um regime de terror.
Poucas universidades viveram tamanha brutalidade, com o currículo e princípios éticos sendo reformulados em torno da ideologia e dos esforços de guerra do regime do Estado Islâmico.
Na época, os acadêmicos descreveram o clima de medo, com livros sendo queimados, casos de espionagem, disciplinas como literatura sendo banidas e ameaças de punição.
Os funcionários da universidade que permaneceram em Mossul “foram forçados a ir trabalhar e o fizeram de forma relutante por medo de perder suas vidas”, diz ele.
Entre eles, há um “desejo de esquecer”.
Quando a universidade foi liberada, se viu diante da destruição provocada por ataques terrestres e aéreos.
“Alunos e funcionários são gratos por estarem de volta. No entanto, ainda há medo”, diz Al-Allaf.
Sensação de insegurança
O legado psicológico da guerra e a ocupação do Estado Islâmico ainda ecoam pela cidade.
A sensação de insegurança está profundamente enraizada. Ele diz que há um medo residual de um possível retorno do terrorismo – e uma irritação com a corrupção no pós-guerra.
“Há pouco otimismo”, afirma.
“Sim, nós vemos renovação, reconstrução e pintura nova no exterior, mas há ainda falta de conteúdo e recursos”, diz Al-Allaf.
As instalações estão desatualizadas, faltam livros e equipamentos de informática. Ele diz ainda que é preciso haver treinamento em novos métodos de ensino e uma abordagem mais moderna em relação à administração.
As universidades são espaços internacionais e, segundo Al-Allaf, a de Mossul sofreu por estar isolada.
“Temos capacidade, mas fomos isolados do mundo. Tudo o que precisamos fazer é recuperar o atraso.”
Reconexão
Al-Allaf está tentando restabelecer o contato com a comunidade acadêmica internacional e trabalhando com a equipe da Universidade de Lancaster.
Lancaster ajudou a manter o ensino de linguística em Mossul, oferecendo aconselhamento para alunos e funcionários por meio de videoconferências, orientação para estudantes de doutorado e acesso gratuito a um curso online.
Elena Semino, professora em Lancaster, disse que os acadêmicos da Universidade de Mossul estão “trabalhando em condições que sequer podemos imaginar”.
“Os funcionários e os alunos são excepcionalmente empreendedores e entusiasmados. Faremos tudo que for possível para ajudá-los. Eles sabem que estamos torcendo por eles”, afirmou.
Há sinais de recuperação nas universidades iraquianas. A Universidade de Bagdá apareceu no ranking global da Times Higher Education, que lista as principais universidades do mundo.
Al-Allaf diz que os acadêmicos no Iraque precisam construir pontes e obter apoio de colegas de outros países.